Tanga - a verdade quase nua.

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Agora começa um novo ciclo
Pólvora

Agora começa um novo ciclo

Por uma ação direta contra a previsibilidade semântica.

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Silvio Demétrio
jun 29, 2025
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Agora começa um novo ciclo
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Foi quase num domingo que um desacordo se abateu entre aquele que narra e a pessoa que se percebe narrando algo através de sua ausência. Uma metástase do verbo. O real, esse grande hospedeiro, já não comportava mais nenhuma ficção enquanto pólvora dedicada a grandes crápulas. Para que uma explosão seja um ato de terrorismo poético é necessário muito mais do que apenas isto. E ao olhar para os escombros deixados por suas últimas crônicas, o narrador percebeu que, em vez de confrontar o monstro, andava alimentando a hidra com palavras inflamáveis. O risco era tornar a indignação uma liturgia automática. Até aqui, o narrador fez do fascismo uma fauna. Decapitou hidras, disfarçou escorpiões em casacas barrocas, acendeu pavios no útero de metáforas eruditas. Mas hoje o truque já não iludia mais nem o próprio prestidigitador. Uma fadiga se acomodou no artifício. Por isso neste domingo a decisão estava dada: muda-se o jogo.

Se antes o alvo era algum crápula escolhido por aversão, agora é o próprio idioma que o abriga que está sob nossa mira. Não mais o corpo do canalha, mas a gramática que o embala como um berço tautológico. É aqui que deve começar o Terrorismo Poético de Hakim Bey amalgamado à noção de explosão segundo o semioticista da Escola de Tartu-Moscou, Yuri Mikhailovich Lotman. Não como algo meramente performático, mas como contra-gramática. A ação direta contra a previsibilidade semântica. Um curto-circuito no algoritmo da inteligibilidade. Porque todo fascismo começa com uma sintaxe excessivamente clara. Com palavras de ordem e frases de efeito onde o pensamento já vem plastificado, embalado para presente, pronto para adornar colunas, manchetes e epígrafes. Que possamos então explodir com a clareza.

Lotman nos ensinou que o pensamento só muda quando explode. Quando uma zona da linguagem se torna inabitável. Quando o sentido colapsa e, no colapso, algo salta. Talvez um monstro, talvez um poema. O que propomos é esse salto. Uma deflagração vertical. Uma implosão na metafísica do entendimento fácil. Um evento sem previsão, uma irrupção que desloca os códigos estabilizados. Em seu modelo de cultura como sistema semiótico, a explosão representa aquele momento em que o sentido não pode mais ser produzido pela lógica do contínuo, da evolução previsível, do algoritmo sintático. Ela é o que acontece quando uma tensão interna torna o sistema incapaz de se autorregular e, no lugar de uma nova versão do mesmo, emerge o impossível: um salto qualitativo. Uma nova linguagem, um novo regime de sentido.

Ao trazermos isso para dentro de Pólvora na Tanga, o que se explode não é mais apenas o tema do crápula encarnado, mas a estrutura de linguagem que o abriga e o reproduz, esse chão discursivo que naturaliza o inadmissível sob a forma da norma. Aqui, o conceito de Lotman se junta ao programa tático de Hakim Bey, que nomeia como terrorismo poético esse gesto de irromper na realidade com intervenções simbólicas que escapam da decodificação imediata. A explosão deixa de ser um gesto destrutivo para se tornar um colapso intencional dos sentidos instituídos, criando uma fenda onde o novo pode escapar, mesmo que por instantes. Trata-se de sabotar o previsível. Desarticular o consenso. E provocar um susto de realidade.

Quando se explodem os códigos, não se busca o caos pela estética, mas o desmantelamento das gramáticas que sustentam uma ordem morta. Lotman nos diz que há períodos da cultura em que só a explosão pode produzir mudança real. Momentos em que a continuidade é sinônimo de inércia e silêncio cúmplice. É exatamente esse o tempo em que escrevemos. A apropriação da explosão, aqui, não se dá no nível da alegoria, mas como um programa micropolítico de subversão simbólica. A crítica não aponta mais. Ela desestabiliza. O texto não denuncia apenas de forma reativa. Ele opera. Não se explica o real. Aqui se torce o real até que ele quebre.

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