Box especial comemora os 50 anos do disco Apostrophe (') de Frank Zappa
Edição especial inclui cinco CDs e um Blu-ray, com uma remasterização do álbum original, além de outtakes e dois concertos ao vivo de 1974.
Primeira parte da série publicada no canal do Youtube com o arquivista Joe Travers
Bem-vindo ao universo de Frank Zappa — onde o ordinário é grotesco e o absurdo revela verdades. Onde o rock não é apenas uma questão de riffs empilhados, mas uma viagem com teias sonoras que misturam jazz, blues, improvisação livre e… humor escrachado. Tudo começa com um apóstrofo. Um simples sinal gráfico e que não remete a nenhum som em específico. Mas para a sensibilidade de Zappa, um apóstrofo é um grito irônico. Um trampolim.
O ano é 1974. O rock então flerta com o excesso e a grandiosidade. O progressivo se alonga em solos intermináveis e o heavy metal ecoa como trovão nos estádios. Entra Zappa, o maestro do estranho, com Apostrophe ('). Sim, ele já estava no jogo — álbuns como Freak Out! (1966) e Hot Rats (1969) já provaram que ele não jogava pelas mesmas regras. Mas aqui, algo muda. Um toque mais afiado? Talvez. A crítica mordaz? Sempre. E o som? Ah, o som é mais refinado, mas ainda é Zappa.
Aqui, o caos se organiza. Ou será o contrário? Apostrophe (') é uma jam session surreal, onde o jazz encontra o rock e tudo parece à beira de um preciício — mas nunca cai. Jack Bruce, o baixista do Cream, aparece para uma improvisação em “Apostrophe”, a faixa-título, e o caos se transforma em um momento mágico. Nada é previsível. Nada segue o script. Como poderia?
Zappa sabia rir, mas seu riso vinha com um olhar atento. “Don't Eat the Yellow Snow”. Sim, estamos falando de neve amarela, e sim, é uma piada. Mas é só isso? Ou estamos falando sobre a alienação, sobre a estupidez da obediência cega? Vamos descer nas camadas. A história de um homem que encontra um xamã esquimó — uma fábula onde Zappa usa o humor mais grotesco para acender uma luz sobre a busca humana pelo sentido, pelo sagrado. E o que aprendemos? Cuidado com o que você consome. Não acredite em tudo. Não coma a neve errada. Uma metáfora disfarçada de piada infantil.
Agora, imagine isso: a década de 1970 fervilha com o misticismo. Gurus, guias espirituais, charlatões de turbante vendendo sabedoria em troca de uns trocados. E Zappa? Zappa explode isso com uma bomba sarcástica chamada “Cosmik Debris”. Se você acha que ele estava só rindo, pense de novo. Ele ridiculariza a ingenuidade coletiva, o culto à solução fácil. “Look here brother, who you jivin' with that Cosmik Debris?” Ele não apenas desafia as modas. Ele desafia você. Quem está ditando o que você acredita? Onde está a sua autonomia? Enquanto outros artistas da época estavam ocupados construindo epopeias sonoras místicas, Zappa constrói uma crítica afiada — usando o mesmo palco do rock para desmascarar charlatões.
Agora, aqui está o que ninguém esperava: Apostrophe (') foi o álbum mais vendido de Zappa. Apostrophe ('), aquele mesmo álbum onde ele fala de neve amarela e gurus fajutos, chegou ao top 10 da Billboard. Isso não devia fazer sentido, certo? Mas faz. Porque Apostrophe (')— com toda a sua bizarrice era exatamente o que o rock precisava em 1974. Enquanto o prog rock estava cada vez mais preso em sua própria grandiosidade, enquanto o punk estava esperando na esquina com sua fúria crua, Zappa navegava no meio disso tudo com algo totalmente seu. A liberdade do singular. Ele era técnico, sim. Era experimental, claro. Mas ele também era engraçado. E o mundo precisava rir, mesmo que esse riso viesse com uma dose de sarcasmo salpicado de impiedosas críticas ácidas. O sucesso comercial não era o objetivo final para Zappa, mas quando ele veio, trouxe consigo um novo público. Apostrophe (') foi o álbum que abriu as portas para aqueles que ainda não tinham entendido o que Zappa estava fazendo. Era a ponte entre o underground e o mainstream, e ele caminhava por essa linha sem perder um centímetro de sua essência.
Afinal, o que é Apostrophe (') na história do rock? Ele é o ponto onde Zappa mostra que a música popular não precisa ser burra. Que você pode ter solos incríveis, complexidade técnica, mas ainda manter um senso de humor ácido e crítico. E isso muda tudo. Zappa não era um herói do rock comum. Ele não estava interessado em criar hinos grandiosos para multidões delirantes. Ele estava mais interessado em desconstruir essas mesmas multidões, em fazer você pensar enquanto você balançava a cabeça. E Apostrophe (') é o álbum que cristaliza essa abordagem. Ele trouxe à tona uma nova possibilidade: a de que a música podia ser tanto um espaço de experimentação quanto de diversão. Você não precisava escolher entre a técnica e o riso, entre a crítica social e a diversão descompromissada. E é isso que torna Apostrophe (') tão importante. Ele desafiou as expectativas da época. Foi uma resposta à pompa do rock progressivo, mas também à simplicidade brutal que o punk logo traria. Ele era Zappa em sua forma mais pura — uma colisão de ideias, sons e atitudes, tudo envolto em uma capa de irreverência.
Zappa abriu portas que ninguém mais estava disposto a abrir. Ele mostrou que o rock podia ser mais — mais inteligente, mais afiado, mais ousado. Apostrophe (') está vivo como referência fundamental em cada banda que ousa ser diferente. Ele está presente em cada músico que se recusa a seguir o caminho mais fácil. O que Zappa fez foi expandir os horizontes do que o rock podia ser, sem nunca sacrificar a autenticidade. Apostrophe (') não é só um álbum. É um manifesto. Uma declaração de que o rock pode ser técnico, experimental, engraçado e crítico — tudo ao mesmo tempo. Frank Zappa não queria fazer parte do mainstream, mas com Apostrophe ('), ele o redefiniu. Ele criou algo que era ao mesmo tempo acessível e desafiador, algo que questionava as normas ao mesmo tempo que as reinventava. Em um mundo onde a música às vezes se perde entre a repetição e a superficialidade, Apostrophe (') continua a ser um lembrete de que a verdadeira arte não tem limites. Zappa provou que é possível fazer música popular que também faz você pensar — e talvez, rir de si mesmo no processo.
A caixa especial é um banquete para colecionadores e fãs alucinados. Até que não está custando uma fortuna proibitiva para pobres e assalariados mortais & endividados & quebrados como nós, eu e você. No site do próprio Zappa a caixa de bolachas está por praticamente 100 dólares (99,98). Com imposto, frete e os cambaus deve sair algo em torno de milão. Pensando que um vinil de Apostrophe(‘) está custando 400 pilas até que é algo razoável. A edição especial também inclui o mix quadrafônico original de Zappa, disponível pela primeira vez em 50 anos. Eu dei adeus ao colecionismo já faz algum tempo. Viva a democratização da arte e o acesso pleno das redes e dos streamings. Tudo já está disponível e é pra todo mundo. Vamos curtir Zappa superlativamente. É muita música e nós queremos é sempre mais.
eu digo sim