Slow Journalism
Substantivo. Locução paradoxal. Sinônimo possível: arqueologia do instante. Antônimo aparente: breaking news. Ver também: kairos, dérive, olhar oblíquo.
Na biblioteca imaginária onde os tempos se dobram sobre si mesmos como páginas cansadas de repetir o mesmo fato, há um verbete que parece resistir ao tilintar dos teletipos e à pressa dos algoritmos: slow journalism. E mais que uma prática. É um modo de pisar no terreno da notícia com os pés descalços e demorados, como quem atravessa um chão sagrado. É a recusa da vertigem, o elogio da hesitação. O slow journalism é para o jornalismo o que a carta manuscrita é para o tweet. Em vez de perseguir o furo, observa a ferida. Não quer ser o primeiro a chega e prefere ser o último a partir. Nesse caso, a verdade não é uma bala disparada na madrugada, mas um fósforo aceso dentro da caverna, revelando lentamente o contorno das coisas esquecidas. Seus praticantes são arqueólogos do presente que cavam com palavras os fósseis ainda quentes do cotidiano.
Há quem diga que o slow journalism nasceu em protesto contra a tirania do cronômetro, contra a decomposição da linguagem em slogans, contra a lógica fabril das redações onde se fabrica o mundo em série. Outros acreditam que ele sempre existiu, disfarçado de crônica, de ensaio, de reportagem literária. Ele sempre esteve nos olhos de Joseph Mitchell, nas digressões de Joan Didion, nos silêncios que Thompson encharcou de ácido. Seu tempo é o kairos, o instante oportuno, e não o chronos dos boletins impessoais. Ele é o jornalismo como arte.
Sua matéria não é o fato cru, mas o tempero: a ambiguidade, o cheiro do lugar, o rumor de fundo, a hesitação dos personagens. É jornalismo com gosto de literatura, mas que ainda carrega o compromisso de testemunhar. Um compromisso menos com a objetividade (essa utopia do metal) do que com a honestidade, essa forma secreta de justiça poética.
Nas redações onde ainda se acredita na pressa como virtude, o slow journalism é visto com desconfiança: uma espécie de dândi noticioso, um flâneur da notícia, um excêntrico. E talvez o seja mesmo. Afinal, há algo profundamente cortazariano nesse tipo de jornalismo: uma disposição para escutar o que escapa, para seguir a linha secundária da trama, para perder o ônibus em nome da história verdadeira que acontece na no petit pavê da calçada a qual se lembra quando se dá a primeira dentada na madeleine que um dia já foi impressa mas agora é digital.
Nota marginal (escrita com tinta quase invisível):
Há quem diga que uma boa reportagem slow não se escreve. ela deve ser sonhada. Mas é um sonho lúcido, onde o mundo aparece não como deve ser, mas como é: com todas as suas rugas, suas contradições, suas belezas que só a lentidão permite ver. Exemplos de uso:
– “A cobertura da tragédia foi feita em modo slow: ao invés do número de mortos, buscou-se o nome das ausências.”
– “Ele largou a editoria de polícia e virou correspondente de si mesmo, praticando slow journalism no sertão.”
Advertência final:
Não confundir com jornalismo preguiçoso. O slow exige o dobro de fôlego e o triplo de escuta. Ele não atrasa o tempo: desacelera o olhar.