Uma obra-prima perdida nas cinzas do psicodelismo californiano
"A Gift From Euphoria" da dupla Wesley Watt e Eilliam Lincoln mistura gêneros, timbres e andamentos para criar uma musicalidade mercurial
Quando você põe a agulha para tocar A Gift From Euphoria, não está apenas ouvindo outro produto alucinado dos anos 60; você está mergulhando no redemoinho mental desordenado de dois artistas que enxergaram o potencial infinito do rock 'n' roll, mas provavelmente estavam ocupados demais explorando os confins cósmicos para se importar com os detalhes mundanos do sucesso comercial. A dupla californiana Euphoria, composta por Wesley Watt e William Lincoln, parece ter tropeçado distraqída numa força cósmica crua, que tentaram canalizar em seu álbum homônimo de 1969. Eles não apenas flertaram com o psicodelismo – mergulharam de cabeça em suas possibilidades alucinatórias e emergiram com um álbum que parece estar sempre à beira de se desfazer.
Mas vamos ser honestos. A Gift From Euphoria não é um Sgt. Pepper’s. Não é um álbum que busca ser um epitáfio polido para uma década turbulenta. Em vez disso, é uma carta de amor psicodélica, escrita com uma tinta que está no fim, cravada de pontos de interrogação rabiscados e palavras estranhas e indecifráveis. O álbum é um paradoxo – uma bagunça cuidadosamente caótica de folk, country, pop barroco e blues elétrico que nunca parece se acomodar em um único gênero, porque, sejamos francos, está ocupado demais explodindo com todos eles.
Você quase consegue imaginar Watt e Lincoln em algum quarto enfumaçado e mal iluminado, com guitarras nas mãos, planejando como seduziriam o ouvinte para seu reino distorcido. Há uma ironia no título: A Gift From Euphoria. É um álbum que captura a loucura e a confusão daquela era tão perfeitamente que quase beira a paródia, mas está impregnado de uma sinceridade que o impede de se tornar apenas uma relíquia. A faixa de abertura, “Lisa”, começa suavemente, com dedilhados de violão e harmonias leves, antes de começar a se deformar, contorcendo como o reflexo em um espelho de um parque de diversões. As letras da canção são enigmáticas, um emaranhado de referências e pensamentos incompletos, como se estivessem tentando capturar a forma de um sentimento que lhes escapava.
E então vem “Stone River Hill Song”, uma faixa que cambaleia e desliza, levando você a uma paisagem mítica americana que existe apenas nos sonhos febris dos românticos do rock. É uma colagem auditiva que agarra o bluegrass, o gospel e o rock com o desespero frenético de um garimpeiro procurando ouro na terra. Você ouve o mesmo espírito que animou The Basement Tapes (Bob Dylan e The Band) – aquele senso de americana bruta e não refinada, mas aqui envolta em uma névoa que dá a tudo um tom fantasmagórico. O resultado? Uma faixa que soa como se tivesse sido transmitida de uma cidade fantasma perdida, habitada pelos espectros de andarilhos e poetas que deixaram suas marcas na terra apenas para desaparecer na poeira.
Ao contrário do psicodelismo flamboyant e carnavalesco dos hits da época, o presente de Euphoria ao ouvinte é algo mais profundo, mais estranho. Sob as composições surreais, existe uma tristeza profunda, uma tentativa de agarrar algo eterno. “Through a Window”, uma peça que caberia tão bem no revival do folk quanto numa playlist indie moderna, é talvez o momento mais assombrado do álbum. Há algo desconcertantemente familiar em sua melancolia silenciosa, na forma como os vocais flutuam sobre a melodia como um espectro. Você sente uma corrente de melancolia, como se Watt e Lincoln estivessem tentando capturar um sentimento de pertencimento em um mundo que já havia descarrilado.
Euphoria parecia entender que a essência do rock é sua capacidade de ser tanto celebração quanto lamento. Suas músicas não gritam no seu rosto – elas sussurram no seu ouvido, incentivando você a se inclinar, a captar cada sílaba fugaz antes que desapareça. Pegue “Did You Get the Letter”, uma música tão impregnada de uma nostalgia folk em tons sépia que parece uma carta engarrafada de outra dimensão. Ela captura a crise existencial de uma geração presa entre o canto de sereia da paz e o caos da contracultura, de jovens à deriva nos ventos da mudança, sem saber onde poderiam aterrissar.
Euphoria mergulha em um universo expansivo, quase cinematográfico. Não são apenas as camadas de guitarra ou o piano honky-tonk ocasional – são as mudanças de tom e ritmo, às vezes suaves, às vezes abruptas, que transportam o ouvinte de uma paisagem sonora surreal para outra. Em um momento, você é acalmado por um interlúdio acústico; no seguinte, é lançado de cabeça numa tempestade de distorção. É como se eles quisessem manter o ouvinte na ponta dos pés, lembrando-o de que o rock ‘n’ roll não é apenas uma rebelião contra normas sociais, mas também uma recusa em se submeter a limites sonoros.
Watt e Lincoln nunca encontraram uma regra que não quisessem dobrar. Ouça atentamente “Ride the Magic Carpet”, com seu órgão ondulante e linhas de guitarra afiadas. É como se eles tivessem decidido que o psicodelismo precisava de um brinquedo próprio, uma montanha-russa que serpenteia por visões assustadoras e espaços onde a realidade se dissolve. A canção soa como uma resposta para uma pergunta não formulada, uma exclamação gritada no vazio. Mas o que lhe dá poder duradouro é a produção: crua, não refinada e resistente a categorizações fáceis. Eles usam o estúdio como uma ferramenta de expressão, não de perfeição, transformando cada rangido e estalo em parte do tecido do álbum.
E ainda assim, há algo genuinamente inquietante na maneira como Euphoria atravessa essas paisagens. Justamente quando você acha que está ouvindo o tipo de pop psicodélico ensolarado que poderia acompanhar uma caminhada de coroa de flores em um festival, eles te puxam para uma profundidade emocional inesperada. Existe uma sensação de temor não dito, uma noção de que a fuga oferecida pelo psicodelismo sempre foi temporária, sempre marcada pelo conhecimento de que o dia seguinte estava logo ali. “World” talvez seja o melhor exemplo disso; é uma faixa que começa parecendo uma despedida da inocência antes de descer a algo mais sombrio, uma meditação febril sobre o desconhecido.
A música de Euphoria força você a encarar essa corrente de desilusão que permeava o final dos anos 60. Os humores cambiantes e o ritmo errático do álbum ecoam a forma como uma geração oscilava entre a esperança e a desilusão, enquanto paz e amor davam lugar a tumultos e promessas quebradas. Euphoria não oferece soluções ou hinos reconfortantes; oferece um espelho, rachado e embaçado com as impressões digitais de cada ouvinte que veio em busca de respostas.